Professores(as):
Durante nosso encontro da Formação Continuada, mais especificamente no módulo conduzido pela Professora Marilene Cesário, foi questionado se a Universidade Estadual de Londrina se posicionou quanto à questão da Matriz Curricular da Secretaria de Educação do Estado do Paraná, principalmente quanto à redução da carga horária da disciplina de Educação Física.
O Departamento de Estudos do Movimento Humano, do Centro de Educação Física e Esportes, da Universidade Estadual de Londrina, em contato com a Assessoria Pedagógica de Educação Física da Secretaria de Educação de Londrina nos autorizou a tornar pública aos Professores e a quem interessar a carta de repúdio publicada pela Instituição.
Segue a carta abaixo, na íntegra:
"CARTA DE REPÚDIO À MATRIZ CURRICULAR ÚNICA NO ESTADO DO PARANÁ EM 2013
Os professores do Departamento de Estudos do Movimento Humano – EMH, do Centro de Educação Física e Esporte – CEFE, da Universidade Estadual do Paraná – UEL, vêm a público manifestar seu repúdio à imposição de uma matriz curricular às escolas da Rede Estadual de Ensino deste Estado. Considerando nossos estudos e pesquisas sobre o trabalho docente e suas determinações pedagógicas e histórico-sociais, nosso contato com a comunidade docente da rede estadual do Paraná, o posicionamento do Sindicato que representa os trabalhadores em educação pública do Paraná, bem como, as explicações aventadas por pesquisadores da Educação de outras Instituições Públicas de Ensino Superior deste Estado expomos nossa discordância quanto à natureza centralizadora e antidemocrática da imposição da matriz curricular a ser implantada pelas escolas a partir de 2013. Entendemos que a forma como foi conduzido o processo meramente formal de discussão das propostas de matriz, por meio virtual, durante o exíguo prazo de quatro dias e no período de atribuições avaliativas oficiais às escolas da rede, configuram um simulacro de consenso, postura característica dos governos neoliberais conhecidos por sua pseudodemocracia e sucateamento da educação pública.
Nosso repúdio se referencia, também, no estabelecido legalmente no Estado brasileiro na matéria da educação. A Carta Magna de 1988, no art. 206 estabelece que “O Ensino será ministrado bom base”, entre outros, daquele presente no inciso III, “pluralismo de idéias e concepções pedagógicas”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º9.394, de 20 de dezembro de 1996, no seu título IV Da Organização da Educação Nacional, art. 12 e 13 assegura aos estabelecimentos de ensino e professores autonomia para elaborar e implementar a proposta pedagógica das escolas, direitos irreversivelmente afetados na definição exógena da matriz curricular. Entendemos que o art. 14 também perde sua referência na gestão democrática ao se consumar o ato repudiado: “Art. 14 Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola”.
O Parecer 007 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica de 7 de abril de 2010, que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais Gerais para a Educação Básica, mostra no art. 4º, como seu VIII princípio, a “gestão democrática do ensino público, na forma da legislação e das normas dos respectivos sistemas de ensino”. No art. 43 fica claro que o projeto político pedagógico depende da “autonomia pedagógica, administrativa de gestão financeira da instituição educacional”, bem como, em seu “§1º A autonomia da instituição educacional baseia-se na busca de sua identidade, que se expressa na construção de seu projeto pedagógico e do seu regimento escolar, enquanto manifestação de seu ideal de educação e que permite uma nova e democrática ordenação pedagógica das relações escolares”. Neste documento temos ainda no Título VII, o Capítulo III Gestão Democrática e Organização da Escola que estabelece, no §2º como “obrigatória a gestão democrática no ensino público e prevista, em geral, para todas as instituições de ensino, o que implica decisões coletivas que pressupõem a participação da comunidade escolar na gestão da escola e a observância dos princípios e finalidades da educação”.
Além da defesa da gestão democrática, as questões estruturais e as condições de execução do trabalho do docente devem ser lembradas. Temos no Parecer n.º008 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica, de 5 de maio de 2010 - “[...] trata dos padrões mínimos de qualidade de ensino para a Educação Básica pública”, um instrumento e algumas reflexões fundamentais para se discutir a qualidade e consequentemente os resultados alcançados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de maneira séria e consequente. O parecer aponta, além dos baixos salários dos professores deste nível, a defasagem de mais de 50% entre o valor investido atualmente e o necessário para a qualidade mínima da educação nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Pesquisas recentes ponderam o investimento no Brasil em Educação, mostrando-o como um dos países que pior remuneram seus profissionais da educação, dos que menos investem proporcionalmente ao seu PIB em educação, apesar de ser o nono maior PIB mundial. O resultado: um dos piores índices educacionais entre os Países da OCD. Em 2004 o Brasil gastava U$$ 1.033,00 dólares por aluno no Ensino Médio, apresentando 390 pontos no PISA, enquanto a Finlândia para alcançar 563 pontos demandava o investimento de U$$ 7.441,00 dólares/aluno ano. Além do investimento na estrutura de salas de aulas, auditórios, bibliotecas, laboratórios, espaços específicos para Artes e Educação Física, não podemos esquecer, em uma discussão séria dos problemas demonstrados pelas avaliações a carreira e as condições de trabalho mínimas para os professores, com a implementação dos 33% da carga horária para o planejamento, lotação em uma única escola e condições de formação continuada.
Para não nos estendermos além do permitido pelo cansaço cotidiano, pois necessitaríamos ainda de muitas linhas para resgatar os princípios da democracia e da gestão democrática presentes em inúmeros dispositivos legais, tais como a Deliberação n.º014 do Conselho Estadual de Educação do Paraná de 8 de outubro de 1999 - Indicadores para elaboração da proposta pedagógica dos estabelecimentos de ensino da Educação Básica em suas diferentes modalidades; a Resolução n.º 7 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica de 7 de dezembro de 2010 – Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos; Resolução n.º 2 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica, de 30 de janeiro de 2012 – Define Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, além de outros exemplares; PL 8035 de 2010, em tramitação – Aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 e dá outras providências.
Entendemos que estabelecer a Matriz Curricular única para toda a rede de ensino do Estado do Paraná demonstra a falta de respeito à capacidade intelectual dos professores, técnicos e alunos das escolas, núcleos, regiões e comunidades existentes no Paraná, impedindo que estes discutam, definam e expressem “seus ideais de educação”. Que tal unificação empobrece a riqueza cultural e as diversas possibilidades de definição curricular, dadas por meio dos processos gestionários descentralizados e democráticos. Observamos nessa determinação autoritária um processo inverso ao indicado na orientação legal e historicamente necessária, de busca da implementação de um currículo ampliado na educação de tempo integral, o que vem ocasionando o acirramento da disputa por carga horária em um currículo suprimido em um tempo insuficiente; repondo a culpabilização entre professores de diferentes disciplinas, entre professores de diferentes ciclos e níveis da Educação Básica, entre escola e família, entre escola e alunos.
Explicações do tipo causa e efeito em educação há muito tempo se mostram insuficientes, de forma que atribuir à causa maior número de aulas das disciplinas x e y, o efeito melhora no IDEB, demonstra um pensamento e uma política retrógradas, tendencialmente indicativas de retrocessos na educação pública no Estado do Paraná. Assim, nos juntamos à comunidade docente no repúdio da Matriz Curricular única no Estado do Paraná no modelo e método que está sendo implantada. Reivindicamos a discussão ampliada, acessível e realmente democrática da matriz curricular que, respeitando os princípios constitucionais, legais e normativos das diversas instâncias sociais, ouça especialmente a comunidade escolar e permita-lhe exprimir suas necessidades, concepções e projetos educacionais.
Por fim, nossa indignação haja vista que as Universidades Estaduais, nos seus diversos cursos de licenciatura, das ciências exatas às ciências humanas, agregam pesquisadores com investigações concluídas e em desenvolvimento nas áreas de organização e desenvolvimento curricular, políticas educacionais, estrutura e funcionamento da educação brasileira, formação e intervenção docente, organização do trabalho pedagógico, etc. que, sem ferir a autonomia da SEED-PR, devem ser consultados para a implementação de políticas para a educação pública. Ora, uma vez que a universidade pública não seja instada a esse campo de atuação, o governo ao tempo que não legitima sua principal instituição de produção do conhecimento, também não permite à mesma um canal para estender à sociedade, da qual é legatária, seus serviços e suas potencialidades científicas, tecnológicas e artísticas.
Londrina, dezembro de 2012.
Professores do Departamento de Estudos do Movimento Humano
Centro de Educação Física e Esportes
Universidade Estadual de Londrina"